Percebemos, hoje em dia, que em momentos em que poucas coisas podem ser definidas realmente nossas, resumidas aqui na decisão-ação para moldarmos o nosso caminho da forma que desejamos, temos uma necessidade de ter algo além do nosso alcance e que possa ser o foro da nossa máxima expressão, que é o Amor: queremos outra pessoa, para sermos UM, e não apenas dois.
O processo de se chegar ao UM pressupõe, antes de tudo, um exercício profundo de compreensão do que somos em nossa mais íntima natureza. Devemos traçar uma meta, abrir o caminho, desbastar a selva milagrosa do nosso ser para, quem sabe, dar a oportunidade ao outro, nosso par, de nos avistar e encontrar no caminho do despertar. E quando isso ocorre, é glorioso e transcendental. O Amor flui como um rio tresloucado, rio adentro do outro. Isso seria o epílogo da grande busca, uma cena de filme que somos capazes de ver e criar...
Na realidade, não é bem o que acontece... Tomados pela fúria das paixões do encontro tão esperado, julgamos que o outro nos pertence, e assim desejamos ser do outro: exigimos exclusividade. Esquecemos que, sem dúvida, houve um processo cármico para essa reunião, e que pode haver mais que a simples razão do Amor em si. É possível que seja o pagamento de uma dívida espiritual, um simples encontro para troca de informações e vivências, ou para conhecer um lugar onde precisamos estar ou encontrar outra pessoa que nos levará à outra, etc. É difícil aceitarmos que a outra pessoa, que aos nossos olhos representa o elo maior para sermos UM, possa ser outra que não a que imaginamos.
Então, apresentam-se dois caminhos: ou tentamos amar, compreender e apreciar o ser que a nós chegou, ou insistimos num caminho que poderá nos trazer tão somente amargura e tristeza. Não quero dizer que esta última opção esteja errada ou fadada ao fracasso, mas com certeza haverá um sofrimento maior que na primeira opção. Em primeiro lugar, porque o ser humano não é objeto, mas sim sujeito. E depois, o conceito de exclusividade tem referências materiais, aquelas que nos bombardeiam cotidianamente através dos meios de comunicação de uma forma abrangente e avassaladora.
Sendo assim, eu pessoalmente prefiro o conceito de cumplicidade. Cumplicidade é um conceito humano, implica níveis de envolvimento, tonalidades e perfumes mais suaves e agradáveis para os nossos sentidos. Pode ser regulada em menor ou maior grau e, principalmente, é escolhida e não imposta. Por exemplo, quando um homem e uma mulher se amam de verdade, a cumplicidade já é implícita, instaurada, auto-regulada e não precisa de debates sobre quem é dono de quem. Até porque quando há indícios do UM, não cabe esta questão. Mas a cumplicidade não se limita apenas ao relacionamento amoroso de um casal, ela pode tratar de um ser para com o TODO, ou parte do TODO. A cumplicidade, aliada ao Amor que todos possuem em si é, a meu ver, mais próxima da esfera Divina porque alcança um âmbito que não exclui, enquanto a exclusividade, que já possui em sua raiz a parcela “excludente”, ostenta traços de puro egoísmo.
Portanto, a cumplicidade certamente vai mais além da exclusividade.
Contudo, constato que neste início de Terceiro Milênio há ainda muito trabalho pela frente nesse campo dos relacionamentos pessoais humanos. Eu prefiro pensar que esse texto, que aqui apresento como minha humilde contribuição e para a potencialidade de ser estraçalhado pela maioria das pessoas, poderá despertar reflexões, controvérsias e debates sobre o assunto.
Este é o objetivo.
© Jean-Pierre Barakat