terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A ARTE DA DEDICAÇÃO (Jean Pierre Barakat)

Quando ouço a palavra dedicação, apenas dois exemplos históricos surgem em minha mente: Jesus e uma mãe. Ora, não há como dissertar sobre os divinos méritos e atributos do filho do Pai, pois ele é Perfeição, à semelhança do Criador, e não há criatura na Terra que foi, que é ou será idêntico a ele. Resta-me, portanto, o exemplo mais humano, e não menos meritório de louvor e prece, do ser que marcará para sempre a história da humanidade por possuir o dom inato da vida e do amor incondicional: a Mãe.

Digo mãe, e não mulher, porque ser mulher não é uma opção: nasce-se assim, determinado pela genética. Mãe, no entanto, é escolha. É um ofício que não termina com o parto. Ingrato, porque nada espera. Altamente recompensador, porque desperta automaticamente cada sentimento, cada instinto, e multiplica todas as sensações. Nenhuma experiência que eu conheça se compara à sensação de ser mãe. Desde a concepção, passando pelo período de gestação até o parto e mais além. São cheiros, graças, toques, olhares, as primeiras urinas e fezes, a suave expulsão de gases pelas vias possíveis precedidas de choros copiosos e acompanhadas de sorrisos marotos de alívio em seguida, e finalmente aquele sono gostoso, restaurador, no peito da mãe após sugar toda a seiva da vida. Não me delongarei sobre todos estes prazeres, e outras delícias afins da alma, por não ser este o objeto do meu pequeno ensaio sobre a dedicação. Ressalto apenas o exemplo da mãe como ideia suprema de dedicação para com outro.

A dedicação não é um ato fugaz, como um poeta dedicando um canto de amor para a sua amada ou musa em um momento de inspiração, e nem se parece à atuação de um servidor público no exercício de sua função – que pode até ser vocação de vida, mas que é remunerada, ou até a atuação de um médico, zelando pela saúde de seus pacientes. Não me levem a mal, são estes atos louváveis, porém carecem dos componentes de incondicionalidade e gratuidade, até de certa alienação voluntária, necessária do ego.

A dedicação não cobra, ela simplesmente executa. A dedicação é um caminho reto, sem atalhos. Não permite que olhemos para trás, quando ela atua. Senão, seríamos literalmente petrificados ao olharmos a Medusa beleza – ou imperfeição – de nossos atos. Escrevemos e gravamos, na alma do mundo, a nossa dedicação com a tinta de nosso suor e sangue. Não nos cabe julgar ou querer saber a repercussão desse belo gesto. Seria como querermos decifrar um milhão de pensamentos em um segundo. Assim, a dedicação não se discute, apenas se faz.

Pode ela ser silenciosa, viver de intervalos e de hiatos necessários. Ela atua em nós somente quando existe o Amor. Pois é, são almas gêmeas, duas unidades se revezando no tique-taque das horas, uma suavizando o nosso ser, outra potencializando o nosso despertar. Dedicar-se ao outro tem essa busca incessante, constante na direção do elo adormecido da nossa essência primeira, em todos os momentos da nossa existência, essência, esta, que encerra em si a generosidade, o desprendimento, a incondicionalidade e a humildade que nos torna todos iguais e humanos.

A dedicação, por fim, não tem identidade mas identifica a todos. Serve a todos, sem discriminação. É mestra de si própria. Convido-vos, a partir deste momento, a sentir o seu poder através da prática diuturna desta arte inata em nós. Sabe-se lá se que o mundo não comece, a partir desse gesto, a se inclinar majestosamente às próximas gerações.

domingo, 4 de julho de 2010

DEUS, O UNIVERSO E EU...(Jean-Pierre Barakat)



No princípio, suponho, havia o meio e o fim. Deus, em toda a sua bondade e majestade, gerou o homem e criou o universo à semelhança do homem. Então, tudo que o homem faria ou pensaria seria refletido imediatamente no universo, o seu espelho. Neste momento de explosiva alegria de criação, nada impediria ao homem de se sentir um pouco com o poder de Deus. Mas existe também algo que Deus distribuiu incondicionalmente para a sua prole espiritual, o presente plasmado em cada ser humano, o símbolo da sua identidade, o que a define, traça a sua personalidade: a semente individual da unidade que cada alma deverá plantar mais cedo ou mais tarde através do seu livre-arbítrio: para ser UM, retornar ao lar na forma de um feixe de luz.

O que é Deus para mim? É o ponto de referência, que existe apesar de todas as dúvidas que isso possa gerar. Gostaria de crer em um lugar sagrado, de conforto após um dia desgastante em todos os campos, onde são regeneradas e potencializadas as minhas forças no cumprimento da minha missão individual nesta existência. Posto que cada pessoa precisa de algo superior para se situar e erguer sua face e suas mãos na direção do alto, além das estrelas e planetas, eu creio nesta dimensão, esta, que por enquanto evade o meu entendimento, mas que, porém, se torna cada vez mais próxima e cada vez mais palpável e inteligível. Deus é o Criador, sim. Deus é belo. Há exemplos infindos de sua beleza em nós, nos animais e no Planeta Terra “Gaia”. Deus é também surpresa, algo que ainda não se manifestou, pela falta ou displicência da nossa busca: nada se compara ao que ainda não sabemos d’Ele. Deus, por fim, é um trabalho em progresso em mim, um poema anímico escrito em verso ou prosa, na tristeza e na alegria, por Ele ser meu amigo e meu palhaço incondicional.

O que é o Universo para mim? Não é apenas um espaço onde se expande o nosso ser ou se preenche o vazio pela nossa ação criadora. É ele a eterna pergunta, o mistério, o inexplorado em mim que ainda não veio à tona: que não se materializou. É ele o silêncio que não existe ainda totalmente em mim, pois é somente através do silêncio que começo a vislumbrar o que realmente sou e para onde vou. Como existe uma ordem em tudo o que foi criado, o Universo é uma dimensão que nos situa – em meu caso, no planeta Terra – para me livrar do trauma de não estar, de repente, em lugar algum. Contudo, não estou nem no início, nem no meio e muito menos no seu fim. Estou apenas em algum lugar. Isso me dá certo alívio. Alguns já pressentem a presença de outras vidas em outra parte do Universo, outros acreditam que somos os únicos nesta grande dimensão. Para mim, o Universo é muito mais poético e romântico que todas as conjecturas e tergiversações que permeiam o debate humano. Interpreto-o assim: Uni, de unir, de UM, e verso, forma poética. Então, o Universo seria para mim um poema coletivo, onde cada “UM” escreveria seu “verso” através de seus gestos na intenção, intencional ou não, de se conectar com o outro UM que estaria se conectando com outro UM, e assim por diante. Universo é o religar do UM com Deus.

Quem sou eu? Vejo-me como o elemento que precisa fazer a sua parte para que o UM se manifeste novamente como era no princípio. Não importa a minha forma material, mas sim a minha essência. É ela, com inúmeras outras, que fará com que o milagre da reunião da Alma Universal se realize por fim. Sou muito mais do que sei que eu sou, porém tenho plena consciência de que sou um acorde ínfimo da maravilhosa sinfonia de Deus. Sou grande na minha expressão quando o meu momento na pauta chegar. Não sou nem menor nem maior de outros acordes, porém, sou único, importante e belo, como cada acorde tocado. E assim, Deus e o Universo hão de coexistir em mim.

Autor: Jean-Pierre Barakat
Contato: jpbarakat@gmail.com